Quando alguém morre, a primeira coisa que vem à mente é o que fazer com os bens que essa pessoa deixou: a casa, o carro, o dinheiro no banco. Mas e se, além disso, ela também deixou dívidas? Empréstimos, contas atrasadas ou até um financiamento podem complicar o inventário – o processo que organiza e divide o patrimônio do falecido. Essa é uma dúvida comum entre os herdeiros: “Será que eu vou ter que pagar o que meu parente devia?”
Neste artigo, vamos explicar tudo sobre o inventário de dívidas de maneira simples, para quem não entende muito de leis. Vamos usar exemplos do dia a dia e mostrar o que a legislação brasileira, como o Código Civil, diz sobre isso. Você vai descobrir o que acontece com as dívidas, quem paga, até onde elas afetam a herança e como os herdeiros podem lidar com essa situação sem surpresas desagradáveis.
O que é o inventário e como as dívidas entram nisso
O inventário é como um mapa que lista tudo o que o falecido tinha – os bens (chamados de “ativos”), como imóveis e dinheiro, e as dívidas (os “passivos”), como empréstimos ou contas a pagar. No Brasil, ele pode ser feito no cartório (se for simples) ou na Justiça (se houver complicações). O objetivo é dividir o que sobra entre os herdeiros, como filhos, cônjuge ou pais.
Mas as dívidas mudam o jogo. Imagine Dona Maria, que morreu deixando uma casa avaliada em R$ 300 mil e um empréstimo de R$ 100 mil no banco. O inventário não vai só dividir a casa entre os filhos; ele também precisa resolver essa dívida. A lei diz que as dívidas fazem parte do “espólio” – o conjunto de coisas deixadas pelo falecido – e devem ser pagas antes de qualquer divisão. Vamos ver como isso funciona passo a passo.
As dívidas do falecido: Quem paga e como
Uma boa notícia: no Brasil, os herdeiros não pagam as dívidas do falecido com o próprio bolso. A regra do Código Civil (artigo 1.792) é clara: as dívidas são quitadas com o patrimônio que a pessoa deixou, e só até o limite desse valor. Isso significa que os bens são usados para pagar, mas, se as dívidas forem maiores que o patrimônio, o resto não é cobrado dos herdeiros.
Vamos ao exemplo do Seu José: ele morreu com uma loja no valor de R$ 200 mil e uma dívida de R$ 150 mil com fornecedores. No inventário, a loja é vendida, R$ 150 mil vão para pagar os fornecedores, e os R$ 50 mil que sobram são divididos entre os filhos. Agora, se a dívida fosse de R$ 250 mil, a loja seria vendida, os R$ 200 mil cobririam parte da dívida, e os outros R$ 50 mil seriam perdoados – os herdeiros não pagariam nada.
O importante é que o dinheiro dos herdeiros (salário, economias pessoais) fica protegido. Só o que vem da herança é usado.
Tipos de dívidas que entram no inventário
Nem toda dívida do falecido vai para o inventário. Algumas são pessoais e morrem com ele, enquanto outras seguem para o espólio. Vamos explicar com exemplos:
Dívidas cobráveis: Empréstimos bancários, financiamentos, contas de cartão de crédito ou dívidas com pessoas (comprovadas por contrato). Dona Clara devia R$ 80 mil de um financiamento de carro. Isso entra no inventário e será pago com os bens dela.
Dívidas que não entram: Contas pessoais, como multas de trânsito ou dívidas sem prova escrita (um “empréstimo verbal” com um amigo, por exemplo). Seu Roberto tinha uma multa de R$ 2 mil por excesso de velocidade. Como é pessoal, os herdeiros não precisam pagar.
Caso especial – fiador: Se o falecido era fiador de alguém, a dívida só entra se o credor já tiver cobrado antes da morte. Dona Lúcia era fiadora do aluguel do filho. Se ele não pagou e o dono do imóvel acionou ela antes de morrer, a dívida vai ao inventário.
Saber quais dívidas valem é essencial para não pagar o que não deve.
O que acontece se as dívidas forem maiores que os bens
E se o falecido deixou mais dívidas do que patrimônio? Isso é chamado de “herança negativa”, mas não significa que os herdeiros saiam no prejuízo. A lei protege: as dívidas só são pagas até o valor dos bens, e o que sobrar é apagado.
Exemplo: Seu Antônio morreu com um apartamento de R$ 400 mil e dívidas de R$ 600 mil (empréstimos e impostos atrasados). No inventário, o apartamento é vendido, os R$ 400 mil pagam parte das dívidas, e os R$ 200 mil restantes não são cobrados dos filhos. Eles não recebem nada, mas também não pagam nada além.
Por outro lado, os herdeiros podem “renunciar” à herança se não quiserem lidar com o problema. Isso é formalizado no inventário, e eles ficam fora do processo.
Como as dívidas afetam a divisão da herança
Quando há dívidas, elas são quitadas antes de dividir o que sobra. Isso pode reduzir – ou até zerar – o que os herdeiros recebem. Veja o caso da Dona Helena: ela deixou uma casa de R$ 500 mil, dinheiro no banco (R$ 100 mil) e uma dívida de R$ 300 mil com o banco. No inventário:
1. Total de bens: R$ 600 mil (casa + dinheiro).
2. Dívida paga: R$ 300 mil saem do espólio.
3. Sobra: R$ 300 mil para os dois filhos, ou seja, R$ 150 mil para cada um.
Se não houvesse dívida, cada filho levaria R$ 300 mil. As dívidas “comem” a herança, mas nunca mais que ela.
Às vezes, um bem precisa ser vendido para pagar. Se os herdeiros quiserem ficar com a casa da Dona Helena, por exemplo, podem usar os R$ 100 mil do banco e completar os R$ 200 mil restantes do bolso – mas isso é opcional.
O papel do inventariante no manejo das dívidas
No inventário, uma pessoa é escolhida como “inventariante” – o responsável por organizar tudo, inclusive as dívidas. Pode ser um herdeiro ou alguém de fora, nomeado pelo juiz ou pelos outros. Ele levanta os bens, lista as dívidas e cuida do pagamento.
Imagine Seu Carlos, que morreu com uma loja (R$ 250 mil) e uma dívida de R$ 80 mil. O filho mais velho, Pedro, é o inventariante. Ele negocia com o banco um desconto na dívida (digamos, R$ 70 mil), vende a loja e usa o dinheiro para pagar. Depois, divide o que sobra (R$ 180 mil) com a irmã Ana. Se Pedro esconder a dívida ou não for honesto, os outros herdeiros podem reclamar na Justiça.
O inventariante tem que ser transparente, porque qualquer erro atrasa o processo ou gera brigas.
Passo a passo do inventário com dívidas
Como funciona na prática? Vamos ao caso da Dona Tereza, que deixou uma casa (R$ 400 mil), R$ 50 mil no banco e uma dívida de R$ 120 mil:
1. Abertura: Os filhos abrem o inventário em até dois meses após a morte, no cartório ou na Justiça.
2. Levantamento: O inventariante lista os bens (R$ 450 mil no total) e a dívida.
3. Pagamento: A dívida de R$ 120 mil é paga – usam os R$ 50 mil do banco e tiram R$ 70 mil da venda da casa ou de outro jeito.
4. Impostos: Paga-se o ITCMD (ex.: 4% de R$ 450 mil = R$ 18 mil) sobre o total dos bens, antes das dívidas.
5. Divisão: Sobram R$ 330 mil (R$ 450 mil – R$ 120 mil), divididos entre os herdeiros.
6. Finalização: O juiz ou cartório aprova, e os bens são transferidos.
Com dívidas, o processo exige mais atenção para não haver erros.
Impostos e custos no inventário com dívidas
Além das dívidas, o inventário tem custos próprios. O principal é o ITCMD, um imposto estadual que incide sobre o valor total dos bens, antes de pagar as dívidas. Por exemplo, no caso da Dona Tereza (R$ 450 mil em bens), o ITCMD em São Paulo (4%) seria R$ 18 mil. Outros custos incluem:
– Advogado: Obrigatório, pode custar de 5% a 10% do patrimônio.
– Taxas: Judiciais ou de cartório, como R$ 1 mil ou mais.
– Avaliação: Se a casa precisa de um laudo, uns R$ 500.
Os herdeiros podem usar o espólio para pagar isso ou tirar do bolso, mas as dívidas têm prioridade sobre o ITCMD.
Conflitos comuns com dívidas e como evitá-los
Dívidas podem gerar brigas entre os herdeiros. Veja exemplos:
Desacordo sobre pagamento: Seu Miguel deixou uma casa e uma dívida de R$ 90 mil. O filho João quer vender a casa, mas a filha Carla quer ficar com ela e acha que João deve pagar a dívida. Uma mediação pode ajudar a decidir.
Omissão: Dona Rosa tinha uma dívida secreta de R$ 50 mil. O inventariante escondeu, mas o banco cobrou, e os herdeiros brigaram. Transparência evita isso.
Para resolver, converse abertamente e contrate um advogado para checar tudo.
Renúncia à herança por causa de dívidas
Se as dívidas são altas e os bens poucos, os herdeiros podem desistir da herança – isso é a “renúncia”. Seu Paulo deixou um carro (R$ 30 mil) e uma dívida de R$ 40 mil. Os filhos Ana e Pedro renunciaram no inventário, e o carro foi usado para pagar parte da dívida. Eles não ganharam nada, mas também não se complicaram.
A renúncia precisa ser formal, com escritura ou no processo judicial, e é uma saída para quem não quer dor de cabeça.
Planejamento para evitar dívidas no inventário
Quem está vivo pode organizar as finanças para não deixar dívidas aos herdeiros. Dona Irene, por exemplo, quitou um empréstimo de R$ 60 mil antes de morrer, usando economias. Outra opção é fazer um seguro de vida que cubra dívidas. Seu Alfredo tinha um financiamento de R$ 100 mil e um seguro que pagou tudo quando ele faleceu, deixando a casa livre para os filhos.
Planejar assim protege a família e simplifica o inventário.
Perguntas e respostas sobre inventário de dívidas
1. Tenho que pagar as dívidas do meu pai com meu dinheiro?
Não, só os bens dele pagam, até o limite do que ele deixou.
2. E se eu não souber das dívidas?
O inventariante e o advogado devem descobrir. Bancos e credores podem avisar depois.
3. Dívidas apagam a herança?
Podem reduzir ou zerar o que sobra, mas nunca passam disso.
4. Posso ficar com a casa e não pagar a dívida?
Sim, se os herdeiros quitarem a dívida com outro dinheiro, mas não é obrigatório.
5. Quanto tempo leva um inventário com dívidas?
De meses a anos, dependendo da complexidade e das negociações.
Conclusão
O inventário de dívidas não precisa ser um pesadelo. Com exemplos como Dona Maria, Seu José e Dona Helena, vimos que as dívidas do falecido são pagas com o patrimônio dele, sem tocar no bolso dos herdeiros. O Código Civil garante isso, mas exige atenção: levantar tudo, ser transparente e contar com um bom advogado faz a diferença.
Seja lidando com um inventário agora ou planejando o futuro, entender como as dívidas entram no processo ajuda a evitar surpresas e conflitos. Planejar em vida, negociar com credores ou até renunciar à herança são opções que trazem paz num momento já tão difícil. O importante é agir com informação e apoio jurídico para que a herança seja um legado, não um problema.