A ascensão das criptomoedas e dos ativos digitais tem transformado o cenário financeiro global e trazido novos desafios ao direito sucessório. O crescente valor de moedas como Bitcoin, Ethereum e outras criptomoedas, bem como os investimentos em NFTs (tokens não fungíveis) e contratos inteligentes, introduziu uma nova categoria de bens que deve ser considerada no processo de inventário. No entanto, o tratamento jurídico da herança de ativos digitais ainda carece de regulamentação clara em muitos países, incluindo o Brasil.
Este artigo explora como os ativos digitais, como criptomoedas e outros bens intangíveis, devem ser incluídos no inventário, os desafios legais que surgem e como os herdeiros podem garantir que esses bens sejam adequadamente transferidos após o falecimento do titular.
O que são ativos digitais e como eles impactam a herança
Ativos digitais são bens que existem apenas no formato eletrônico e incluem uma ampla gama de itens, desde criptomoedas até direitos autorais digitais e até mesmo contas em redes sociais. No contexto de herança, os ativos digitais mais conhecidos são as criptomoedas, que são moedas digitais descentralizadas, como o Bitcoin, Ethereum, Litecoin e muitas outras.
Além das criptomoedas, os NFTs (tokens não fungíveis) também estão ganhando destaque, representando itens digitais exclusivos, como obras de arte, músicas e outros ativos de valor. Esses ativos, por sua natureza, não podem ser fisicamente tocados ou possuídos, mas têm um valor substancial que precisa ser considerado no processo sucessório.
No Brasil, os ativos digitais, embora não estejam formalmente regulamentados para fins de sucessão, têm sido incluídos no inventário, principalmente com o crescente interesse dos tribunais em adaptar-se à realidade digital. A dificuldade está em como tratar e transferir esses bens de forma adequada, uma vez que não existe uma estrutura clara que regule sua inclusão no inventário.
Desafios legais na sucessão de criptomoedas e ativos digitais
O maior desafio no tratamento da herança de criptomoedas e outros ativos digitais é o acesso aos bens digitais. Ao contrário de bens tangíveis, como imóveis ou contas bancárias, as criptomoedas e outros ativos digitais são acessados por meio de chaves privadas, que são informações sensíveis e únicas para cada ativo digital. Se o falecido não deixou essas chaves ou informações acessíveis aos herdeiros, o valor desses bens pode ser perdido permanentemente.
Além disso, muitos serviços e plataformas que armazenam ativos digitais, como exchanges de criptomoedas e carteiras digitais, exigem autenticação e segurança adicionais, como autenticação em dois fatores. Isso significa que, mesmo que os herdeiros saibam onde os ativos estão armazenados, eles podem ser incapazes de acessá-los sem as credenciais do falecido.
A falta de regulamentação específica também representa um obstáculo significativo. A ausência de uma lei clara sobre como tratar esses bens intangíveis em caso de falecimento faz com que os tribunais tenham que lidar com esses casos com base em princípios gerais do direito sucessório, o que pode resultar em decisões divergentes.
A importância do planejamento sucessório para ativos digitais
Para evitar complicações jurídicas no momento da sucessão, o planejamento sucessório se torna essencial, especialmente para aqueles que possuem ativos digitais substanciais, como criptomoedas ou NFTs. O planejamento sucessório pode envolver a criação de testamentos digitais, que estabelecem explicitamente como os ativos digitais serão geridos e transferidos após a morte.
Um testamento digital pode incluir informações detalhadas sobre as chaves privadas, credenciais de acesso às carteiras digitais, bem como instruções sobre como os herdeiros devem proceder para acessar e distribuir esses bens. Isso pode ser feito por meio de uma carta testamentária, registrada junto a um advogado especializado ou até mesmo por meio de plataformas digitais que permitem o armazenamento seguro dessas informações.
Além disso, os titulares de criptomoedas podem optar por deixar cópias físicas ou digitais de suas chaves privadas em lugares seguros, como cofres ou com advogados, garantindo que os herdeiros possam acessar esses ativos no futuro. Outro recurso é a utilização de plataformas de gestão de ativos digitais que oferecem serviços de herança digital, proporcionando aos usuários uma forma mais segura e organizada de transferir seus bens digitais.
Como incluir criptomoedas no inventário
Para que as criptomoedas sejam incluídas no inventário, os herdeiros precisam primeiro localizar as carteiras digitais do falecido. Caso as carteiras estejam armazenadas em exchanges (plataformas de câmbio de criptomoedas), o herdeiro precisará acessar essas plataformas com as credenciais apropriadas. Caso as criptomoedas estejam armazenadas em carteiras descentralizadas, o acesso dependerá das chaves privadas fornecidas.
Uma vez que o acesso seja garantido, as criptomoedas devem ser avaliadas em seu valor de mercado no momento do falecimento. A avaliação deve ser feita com base nas cotações vigentes na data da morte, e o valor das criptomoedas será somado ao patrimônio do falecido, com os devidos impostos de sucessão (como o ITCMD, Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) sendo pagos sobre o valor total da herança.
Se os herdeiros não souberem como acessar as carteiras digitais ou se as informações forem difíceis de recuperar, será necessário contratar especialistas em ativos digitais ou recorrer ao auxílio de advogados especializados em sucessões e criptomoedas para tentar recuperar os bens. Em casos extremos, a falta de acesso pode resultar em uma perda irreparável de valor para o espólio, pois os ativos digitais podem ser permanentemente inacessíveis sem as chaves de acesso.
Considerações fiscais sobre a herança de criptomoedas
No Brasil, assim como ocorre com qualquer outro tipo de bem, as criptomoedas também estão sujeitas ao ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), que é um tributo estadual. O valor das criptomoedas será considerado para o cálculo do imposto, e o imposto deve ser pago antes da realização da partilha da herança. A cobrança do ITCMD pode variar de estado para estado, pois cada unidade federativa tem autonomia para estabelecer a alíquota de acordo com seu critério.
É importante ressaltar que, dependendo do valor das criptomoedas herdadas, os herdeiros podem precisar de uma avaliação precisa para determinar o valor do imposto devido. A falta de conhecimento sobre a tributação de criptomoedas pode gerar problemas fiscais para os herdeiros, que podem ser multados caso o imposto não seja pago corretamente. A orientação de um advogado especializado em direito tributário e sucessões digitais é essencial para garantir que os herdeiros cumpram com suas obrigações fiscais.
Como os tribunais lidam com a herança de ativos digitais
Os tribunais brasileiros ainda estão se adaptando ao novo cenário da herança de ativos digitais, e os casos relacionados a criptomoedas, NFTs e outros bens digitais são relativamente novos no país. Por isso, muitas decisões ainda se baseiam em princípios gerais do direito sucessório e em interpretações específicas dos tribunais. Em algumas situações, os tribunais têm sido flexíveis em aceitar a validade de testamentos digitais e permitir que os herdeiros acessem os bens digitais, especialmente quando há documentação clara que garante a identificação e a avaliação dos ativos.
Ainda assim, em muitos casos, a falta de regulamentação específica pode gerar incertezas jurídicas, principalmente se os herdeiros não tiverem acesso aos ativos digitais devido à falta de instruções adequadas deixadas pelo falecido. Por isso, a prevenção por meio de planejamento sucessório adequado e o uso de testamentos digitais são fundamentais para evitar litígios e garantir que os ativos digitais sejam transferidos corretamente.
Conclusão
A herança de criptomoedas e outros ativos digitais apresenta desafios significativos no processo sucessório, principalmente devido à sua natureza intangível e à falta de regulamentação clara. No entanto, com o planejamento sucessório adequado e a utilização de testamentos digitais, é possível garantir que esses bens sejam devidamente incluídos no inventário e que os herdeiros possam acessar e transferir o patrimônio digital deixado pelo falecido.
A orientação jurídica especializada é fundamental para lidar com as complexidades da sucessão digital e garantir que os herdeiros cumpram todas as obrigações fiscais e jurídicas. À medida que as criptomoedas e outros ativos digitais se tornam mais comuns, é provável que novas regulamentações e práticas judiciais sejam implementadas para lidar com a sucessão de bens digitais de maneira mais clara e eficiente.